A destruição da capacidade produtiva do País<br> e de valor no BES

Eugénio Rosa

Um ponto importante, muitas vezes referido, que cria grandes preocupações até porque tem efeitos nefastos a nível de criação de emprego e de aumento da produtividade e competitividade, é a quebra acentuada que se tem verificado desde 2008 no investimento em Portugal, situação esta que foi agravada pela política de austeridade recessiva imposta ao País pela «troika» e agora também continuada pelo Governo PSD/CDS.

No entanto, um aspecto que tem passado despercebido aos media, e também à opinião pública, é que o investimento realizado nos últimos anos nem tem sido suficiente para compensar o desgaste sofrido pelo «stock» de investimento, ou seja, para compensar o «consumo do capital fixo» como mostra o Quadro 1 construído com dados divulgados pelo INE. Como revelam os dados do INE, a partir de 2008 verificou-se no nosso País uma quebra acentuada do investimento, pois entre 2008 e 2013 ele passou de 39 817,3 milhões de euros para 25 563,9 milhões de euros (-35,8 por cento). E isto a preços correntes.

Mas um aspecto que tem sido esquecido ou mesmo escondido é que, com a política de austeridade recessiva imposta pela «troika» e pelo Governo PSD/CDS, e agora continuada por este, tem-se verificado que o desgaste no «stock» de investimento existente (consumo de capital fixo) foi, já em 2012, superior em 13,9 por cento ao investimento (FBCF) realizado neste ano e, em 2013, em 21,7 por cento. Portanto, a capacidade produtiva do País não só não está a ser renovada, modernizada e ampliada, como está a sofrer uma forte degradação, pois o valor desgastado resultante da sua utilização (consumo de capital fixo) não está a ser pelo menos reposto: em 2012, consumiu-se mais 3 830,1 milhões de euros do que se investiu e, em 2013, o consumo de capital fixo foi superior ao investimento (FBCF) em 5 536,3 milhões de euros.

É evidente que o País não aguenta por muito mais tempo este nível de destruição da sua capacidade produtiva sem pôr em perigo uma recuperação sustentada e o seu desenvolvimento futuro.

Enquanto a riqueza cai, assiste-se à destruição maciça de valor (riqueza) no BES, não estando os contribuintes a salvo de pagarem a factura

Enquanto o investimento cai de uma forma dramática no País (o investimento público diminuiu, entre 2010 e 2013, 63,2 por cento), pondo em perigo não só o presente mas também o futuro de Portugal, assiste-se à destruição maciça de valor, ou seja, de riqueza, no BES (milhares de milhões de euros desapareceram). E para o Governo e Banco de Portugal, é como nada tivessem a ver com isso.

Efectivamente, quem tenha ouvido na audição na Assembleia da República, no dia 7.8.2014, quer a ministra das Finanças quer o governador do Banco de Portugal, certamente não pode ter ficado tranquilo com a fuga às responsabilidades por parte de ambos. A única explicação que conseguiram dar para o facto de 15 dias antes ambos afirmarem, a pés juntos, que o BES era um banco sólido e que possuía uma almofada financeira suficiente para suportar os prejuízos decorrentes da exposição ao grupo, e 15 dias depois dizerem precisamente o contrário, é que tinham sido enganados, e que só tiveram conhecimento de informação «materialmente relevante» muito recentemente.

E, à semelhança do afirmado por Vitor Constância aquando do caso do BPN, Carlos Costa disse e repetiu que é praticamente impossível detectar esquemas fraudulentos como o do BES a não ser em caso de denúncia interna (quando as comadres se zangam) ou então em situação de grave crise financeira. Mas não é só por esta razão que os portugueses não podem ficar tranquilos.

Muitas outras afirmações não podem deixar de provocar, pelo menos, grandes perplexidades. Segundo a ministra, o Estado não tem qualquer responsabilidade no «novo banco» porque não é acionista, por isso não manda no banco. No entanto, embora não mande no «novo banco» prontificou-se a entrar com um empréstimo de 3 900 milhões de euros. A ministra achou que era legítimo a «troika» impor o que quis ao País porque concedeu um empréstimo (era o credor), mas já não acha legítimo que o Estado mande no «novo banco» apesar de por lá dinheiro dos contribuintes.

A ministra também garantiu que os contribuintes iriam ser reembolsados do empréstimo, embora antes tenha afirmado, a pés juntos, que não haveria dinheiro dos contribuintes no BES. E para justificar essa garantia disse que se o «novo banco» fosse vendido a um preço inferior, as instituições financeiras (os bancos) pagariam o empréstimo com as quotizações para o «Fundo de Resolução». Segundo o art.º 10.º do DL 24/2013, as contribuições da banca para este fundo são calculadas com base no passivo da banca deduzido dos depósitos cobertos pelo Fundo de garantia de depósitos e dos fundos próprios complementares. E a taxa máxima a aplicar é 0,07 por cento, de acordo com o Aviso 1/2013 do Banco de Portugal.

No caso de aplicação da taxa máxima, isso daria uma receita que não seria superior a 219 milhões de euros/ano. Portanto, para reembolsar os 3 900 milhões de euros que o Estado vai emprestar ao «novo banco» seriam necessários 18 anos, sem incluir juros, ou seja, um período superior ao concedido pela «troika», sendo 56 milhões de euros/ano pagos pela CGD, ou seja, pelo banco público, que é o maior contribuinte. E quem paga até lá tudo isto? Os contribuintes. E tem a desfaçatez de dizer que não será utilizado dinheiro dos contribuintes.

Mas ainda se fica mais intranquilo quando se analisa algumas das afirmações do governador do Banco de Portugal na audição, que passaram despercebidas aos deputados. Para além de se limitar a repetir muitas vezes o que tinha dito anteriormente (até leu comunicados e intervenções passadas) para se desculpar, ele afirmou, mais de uma vez, que o BdP tinha mandado fazer uma auditoria aprofundada aos activos e passivos do «novo banco» para avaliar o valor real dos activos que foram transferidos para o «novo banco». Isto significa, na prática, que foram transferidos para o «novo banco», sob a responsabilidade do Banco de Portugal, activos de muitos milhares de milhões de euros (segundo as contas do primeiro semestre de 2014, o valor do Activo do BES atingia 80 216 milhões de euros), cujo verdadeiro valor o próprio Banco de Portugal desconhece.

E poderão surgir ainda surpresas muito desagradáveis com factura para os contribuintes, pois naturalmente a banca vai-se recusar pagar dizendo que tudo foi feito por decisão do Banco de Portugal. No mesmo dia da audição, Vitor Bento deu uma entrevista à SIC, onde afirmou que estava a elaborar um plano de reestruturação do «novo banco» que podia passar por fecho de balcões e redução do número de trabalhadores, precisamente o contrário do garantido pela ministra e pelo governador do BdP, para quem a a «solução» não acarretaria despedimentos. De novo o «fantasma» do BPN surge, com toda a incerteza e insegurança criada pelas palavras da ministra e do governador do BdP.

Até porque, no fim da audição, ficou por esclarecer se o Estado (os contribuintes), poderá ou não ser objecto de inúmeros processos judiciais com pedidos de indemnização e o que acontecerá às 173 empresas associadas e subsidiárias com 3 590 trabalhadores que consolidavam nas contas do BES (págs.106/109 do RC-2013).

 



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